QUEM NUNCA de longe observou os passos de uma dançarina? Aquela que enxergamos pela tela da tv, pelo vidro do ônibus ou janela do carro quando o semáforo fica vermelho. Tenho uma memória viva quando imagino esta cena: meu pai parou o carro esperando minha mãe resolver algo na rua. Ao meu lado esquerdo dentro daquele Chevette caramelo avisto pela primeira vez aquele prédio comercial! Lembro como se fosse hoje o tom de marrom que dava vida àquela placa. O nome em letra cursiva e a silhueta de uma bailarina me fizeram entender que ali era uma escola de dança...
Lembro que estava chovendo. E pelo vidro embaçado do carro, avistei dançarinas naquela grande janela. Só conseguia enxergar suas cabeças, coques perfeitos e os enormes sorrisos que me deixaram hipnotizada. Mentalmente imaginei os passos, a coreografia e a energia dentro daquele salão. Quando o motor do carro ligou, eu levei comigo o desejo de subir aquelas escadas. Mentalmente, imaginava os passos que eram ensinados naquele prédio e como um sonho me imaginava em um palco... Passei parte da minha infância apenas imaginando esta cena. Financeiramente não era possível me envolver naquele universo.
Ao longo dos anos guardei esse desejo apenas para mim... Fui crescendo, dançando danças sem coque e sem coreografias. E aos poucos, esse desejo foi diminuindo dentro de mim. Quase 20 anos depois, resgatei a vontade de dançar depois de uma sessão de terapia. Lembro como se fosse hoje, o dia que eu entrei naquela loja de ballet. Minha escolha não foi uma sapatilha de ballet clássico, muito menos na cor rosa... Comprei uma botinha preta para minha primeira aula de jazz. Eu, com meus 26 anos, entraria pela primeira vez em uma escola de dança. A insegurança de ser velha demais, de saber de menos, do corpo ficar marcado naquele collant... Confesso que senti um frio na barriga com todos os sentimentos que surgiam. Durante as aulas e em cada interação com mulheres incríveis, eu tive momentos de uma felicidade tão pura e tão simples... A cada terça-feira que eu arrumava meu cabelo e fazia um coque, eu colocava minha menina de 6 anos para dançar! Não entendia na época, mas hoje eu entendo.
Não continuei dançando por vários motivos, mas hoje, anos depois dessa experiência, escrevo esse texto com a total certeza de que quero novamente entrar em uma loja de ballet; Quero escolher uma sapatilha, fazer um coque e colocar minha menina para dançar. Ela não precisa ser uma profissional e ela não precisa sentir medo por se achar velha demais. Ela poderá dançar em casa, nas festas, fazer aula pela internet ou procurar uma escola para aprender os passos básicos... Ela poderá se sentir uma bailarina e imaginar que em um dia de chuva, seu pai a esperará com seu Chevette caramelo!
Dedico esse texto a todas as meninas que não tiveram a oportunidade de fazer um coque e ter uma sapatilha!
EPSVC
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